Assisti
ao sensacional filme de Claudio Marques e Marília Hughes, Depois da Chuva, em cartaz. Ao sair do cinema, pensava nos acontecimentos daquela
longínqua década e de uma adolescência, hoje distante. Sempre tive a
impressão de que
alguma coisa começava a sair da ordem, nos idos dos anos 1980, e de
que, essa nova ordem a surgir, não se limitava às transformações pelas
quais passavam o meu corpo púbere e o meu adolescer enquanto idade da
vida, a me lançar em um não lugar, entre o passado e o futuro.
No turbilhão dos acontecimentos políticos de um país sendo passado a limpo, depois de duas décadas de ditadura, a política se fazia presente, para mim, nas imagens da televisão com as monumentais passeatas e comícios das Diretas Já ou no discurso entusiasmado de Cazuza, à frente do Barão Vermelho, no inesquecível Rock In Rio, ao apostar num país mais livre, “menos careta” e como promessa de um futuro melhor para juventude brasileira. Esses acontecimentos não encontravam entusiasmo, fé e engajamento ao florescer a minha adolescência – já era um pouco desconfiado em relação às primaveras...
Essa minha desconfiança não era o resultado de nenhuma elaboração mais profunda em relação à política, penso. Talvez fosse o estilo de um adolescente um pouco provinciano e prosaico. Eram as primeiras aventuras amorosas, as leituras furtivas na biblioteca do meu pai, o Rock e a sensação esquisita de habitar um espaço e um tempo que não me pertenciam. Lembro-me de ouvir de algum adulto: você está só passando uma chuva.
A adolescência enquanto idade da vida é marcada por uma suspensão: é preciso fazer o luto da infância que se foi num corpo púbere a preparar a maturidade que ainda não chegou ou não é reconhecida pelos adultos. O resultado é um sujeito a meio caminho, entre o passado e o futuro; não é mais criança, e passa a ser cobrado por isso, mas não tem acesso ao mundo dos adultos, cumprindo uma espécie de “moratória”.
Na segunda metade do século XX, a juventude, ou parte dela, podia encontrar na luta política uma baliza a canalizar suas apostas de superação, não da “moratória”, imposta pela adolescência, mas das contradições do capitalismo e da sociedade de consumo, num deslocamento. O inconformismo e a contestação funcionaram como um abrigo a projetar o sonho de um futuro diferente.
No turbilhão dos acontecimentos políticos de um país sendo passado a limpo, depois de duas décadas de ditadura, a política se fazia presente, para mim, nas imagens da televisão com as monumentais passeatas e comícios das Diretas Já ou no discurso entusiasmado de Cazuza, à frente do Barão Vermelho, no inesquecível Rock In Rio, ao apostar num país mais livre, “menos careta” e como promessa de um futuro melhor para juventude brasileira. Esses acontecimentos não encontravam entusiasmo, fé e engajamento ao florescer a minha adolescência – já era um pouco desconfiado em relação às primaveras...
Essa minha desconfiança não era o resultado de nenhuma elaboração mais profunda em relação à política, penso. Talvez fosse o estilo de um adolescente um pouco provinciano e prosaico. Eram as primeiras aventuras amorosas, as leituras furtivas na biblioteca do meu pai, o Rock e a sensação esquisita de habitar um espaço e um tempo que não me pertenciam. Lembro-me de ouvir de algum adulto: você está só passando uma chuva.
A adolescência enquanto idade da vida é marcada por uma suspensão: é preciso fazer o luto da infância que se foi num corpo púbere a preparar a maturidade que ainda não chegou ou não é reconhecida pelos adultos. O resultado é um sujeito a meio caminho, entre o passado e o futuro; não é mais criança, e passa a ser cobrado por isso, mas não tem acesso ao mundo dos adultos, cumprindo uma espécie de “moratória”.
Na segunda metade do século XX, a juventude, ou parte dela, podia encontrar na luta política uma baliza a canalizar suas apostas de superação, não da “moratória”, imposta pela adolescência, mas das contradições do capitalismo e da sociedade de consumo, num deslocamento. O inconformismo e a contestação funcionaram como um abrigo a projetar o sonho de um futuro diferente.
Depois
da Chuva é um grande filme por capturar com sensibilidade o instantâneo
de um espaço e um tempo onde a promessa de mudança e superação
coletivas produziu uma fratura na expectativa social, ao lançar o país
ao encontro do dilúvio neoliberal, deixando no horizonte um vazio sem
esperança. A orfandade e a desidratação das possibilidades de um sonho
de futuro deixou a juventude entregue à própria sorte. A genialidade dos
nossos cineastas foi a de condensar numa película a angústia, própria
de toda suspensão, no individual e no coletivo. Já dizia o ditado: quem
está na chuva é pra se molhar. A questão é quando a chuva não passa.
Por Cláudio Carvalho.
Jornal A Tarde.
02/2015.
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